História da Elaine: De Salto Alto


Ao convite de minha irmã Tita, resolvi escrever aqui no Blog,
Devo dizer que minha vida é uma piada... uma atrás da outra. Seria mais engraçado se, no momento em que tais piadas aconteceram, não tivessem sido momentos quase sempre trágico, mas como diz o ditado, nada como o dia de amanhã, para rirmos das más aventuras de hoje.
Por onde devo começar?  
Bem, vamos começar por algum lugar da minha vida...
Era uma manhã muito linda em São Paulo, eu tinha apenas 22 anos de idade, a vida toda pela frente e 22 dois anos atrás de mim, que, diga-se de passagem, foram excepcionais, não porque eu me sinta excepcional (o que na verdade eu me sinto), mas porque quando me lembro de tudo o que aprendi durante esses 22 anos, vejo que a vida é para mim um presente, um palco iluminado, com apresentações, representações, alegrias e puro entusiasmo... Mas o principal de tudo é que a cada espetáculo que eu vido durante o dia, sei que as cortinas se fecharão e no dia seguinte o espetáculo será ainda maior.
Primeiro eu quero me apresentar. Meu nome é Elaine, tenho atualmente 46 anos de idade e sou irmã da Tita. Por enquanto é só isso o que tenho que dizer sobre quem eu sou o restante, vocês poderão formular por si mesmos.
Dentre todas as comédias de minha vida, devo dizer que a maior delas foi o árduo papel de ser mulher.
Ser mulher tem seus segredos.
 A vida poderia ser melhor se tivéssemos nascido homem?
Melhor eu não sei, mas com certeza mais fácil.
Já nos meus tempos de jovem adquiri eu, através de minha amada mãe a extrema e difícil tarefa de ser mulher. Assim sendo encontrava-se em sua lista, “Importante para ser mulher”, dentre outras, as seguintes tarefas:
1.       Fecha as pernas para sentar, está aparecendo à calcinha.
2.       Estica o corpo.
3.       Coloca a mão na boca quando espirrar ou tossir.
4.       Fecha os pés para andar.
5.       Cuidado ao abaixar para não aparecer seus seios.
6.       Não dê bola para tudo quanto é garoto, porque senão, amanha você vai ficar mais falada mais do que capitulo especial de novela (não eram exatamente essas as palavras, mas resumindo, queria dizer o mesmo).
7.       Cuidado para não amassar a roupa!
8.       Com a tua idade eu já limpava a casa toda.
9.       Que tal um curso de secretariado?
10.   Falar idioma é muito bom...
11.   Minha filha não esquece, quando a necessidade entra pela porta, o amor sai pela janela.
12.   Estuda para não ter que ser somente dona de casa.
13.    Não esqueça, homem sacode as calcas e não pega nada!
14.   O cabelo é a moldura do rosto.
15.   Para de comer tanto doce menina, vai ficar gorda!
16.   O que o homem não encontra dentro de casa, procura lá fora!
17.   Vê se não vai andar que nem molambenta quando casar minha filha, pois mulher bonita o mundo está cheio.
18.   Passa óleo na barriga quando engravidar que é para não ficar cheia de estrias
19.   Olha a celulite!
20.   Não esqueça, você é mãe, mas também é esposa.
21.   Mulher tem que aprender desde cedo a andar de salto alto... alto... alto...
E por ai a fora! São os ditados de minha mãe, que com certeza ela os repete até hoje para suas netas. Devo dizer que tal é hereditário, me pego pregando os mandamentos quase todos os dias para minha filha.
Já os homens são diferentes, meu pai, por exemplo, tem apenas um ditado:
1.       (e único) Faca o que eu digo e não faça o que eu faço. (Repete o primeiro item dez mil vezes).
Assim sendo, resolvi adotar os mandamentos de minha mãe, afinal o conteúdo além de ser endereçado, tinha mais sentido do que os de meu pai.
Voltando agora à minha historia, que com certeza não vai terminar nesta, pois esta é uma entre 46 anos, vezes 365 dias, vezes 24 horas. Ou seja, isso dá... Ok! Minha mãe nunca disse para eu ser um “geninho” em matemática, ela disse para eu saber somente quanto ganhar e calcular ganho e gasto, ou seja, mais e menos... para não ficar no vermelho.
Multiplicar é coisa para homens, nos mulheres somamos e subtraímos. Somamos sapatos, roupas, joias, acessórios, bolsas e diminuímos nos cartões de créditos. Homens multiplicam seu investimento para organizar a vida para dois. Eu amo esse tipo de matemática!
Foi num dia ensolarado em São Paulo, eu trabalhava numa firma chamada Hochtief do Brasil. Eu amava trabalhar nesta firma, afinal os meus colegas de trabalho eram como uma família e eu aprendi muito nesta empresa. Quem não conhece São Paulo? Cidade movimentada, cheia de seus escritórios, todo mundo trabalhando, pegando transito, correndo para lá e para cá. Homens de terno e gravata com seus ternos alinhados e mulheres com suas roupas bem encaixadas, ou seus corpos bem encaixados nas suas roupas. Claro que o cenário não fica somente neste tipo de trabalhador de escritório. Existem aqueles que usam calças Jeans e camiseta para o trabalho, depende da firma ou do posto ocupado pelo trabalhador, requer um ambiente menos formal e mais descontraído.
São Paulo é o cenário do oposto. O pobre e o rico, o bem vestido e o mal vestido, o cheiroso e aquele que parece que jamais viu água e sabão na vida, o metido a besta e o super legal, o bandido e o mocinho, a dona de casa e a mulher da vida, os idosos e os jovens, os aposentados, os trabalhadores e os vagabundos, os sãos e os drogados, os doentes e os saudáveis e por adiante. Claro que não é somente São Paulo que é assim. O mundo é assim.
Mas a Hochtief era, digo era, pois hoje não sei mais como se encontra hoje, embora eu more onde a matriz se encontra (ironia do destino, mas isso é outra historia), mas no meu tempo era a empresa onde o povo que lá trabalhava, pareciam pertencer a concurso de beleza. Concurso de quem era o mais bem vestido e o mais alinhado. A própria empresa era maravilhosamente em ordem. Limpeza pura, tudo no seu lugar, tudo brilhando. Ou seja, o trabalhador era o reflexo da empresa, ou a empresa o reflexo do trabalhador...
Foi neste clima que durante dois anos trabalhei. Eu trabalhava no setor de Salários e Benefícios. Fazia pesquisa salarial e cuidava dos benefícios dos empregados.  Ticket Restaurante Vale transporte, Promoções. No final do mês tinha que fazer a tal da conta de menos e mais, ou seja, você tinha tanto de salario e tanto deveria ser descontado do mesmo.  Utilizávamos um computador da era pré-histórica, XP para fazermos o fechamento. Claro que na época era a genialidade pura.  Hoje quando comparamos um computador atual com o que chamávamos de computador! Deus do Céu, que diferença!
Todos os meses quando do fechamento, tinha eu que apresentar o mesmo ao meu chefe Sr. Fausto, um relatório que dava pelo menos umas dez paginas e ainda a lista de salários que eu havia pesquisado.
Eu amava o final do mês, não somente porque recebíamos o nosso salario e eu podia enfim comprar tudo o que eu gostava, afinal eu, sem querer me gabar, ganhava bem, mas, porque embora trabalhássemos todos na mesma empresa, a mesma era dividida da seguinte forma: No prédio principal ficava toda a parte administrativa e encostada a ele havia uma casinha que se encontrava o Departamento Pessoal, lugar onde também se encontrava o setor de Benefícios, ou seja, a genialidade aqui (Eu)!  Por isso no final do mês eu tinha que prestar contas ao meu chefe e, portanto adentrar o prédio principal, o que para mim era sempre algo muito especial, afinal o prédio principal era simplesmente maravilhoso, impecável, imponente... tudo o que a casinha não era....
Eu me encontrava neste dia, super bem vestida. Havia colocado sapatos de salto bem altos, vesti uma camisa de seda branca e uma saia na cor azul marinho e seu comprimento tinha dois centímetros acima do joelho. A saia era tão justa que eu não conseguia subir as escadas a não ser de lado. Claro que eu o fazia quando ninguém estava olhando. Embora a mesma tivesse uma pequena abertura de uns dez centímetros na parte de trás, oque possibilitava ao menos que o meu andar não parecesse o de uma Gueixa (passos pequenos), não me era possível dar passos largos. Se eu tivesse que fugir de algum bandido e estivesse usando aquela saia, tinha que desistir... pois não tinha como correr, a não ser que eu o fizesse de calcinha, pois eu jamais poderia sair correndo com aquela saia! 
Meu cabelo estava lindo, eu havia feito “toca” na noite anterior para alisar o meu cabelo (naquele tempo não havia a tal da chapinha que toda garota agora tem para alisar o cabelo carapinho), pois se eu deixasse ao natural, parecia , quando estava de costas, que um leão tinha comido minha cabeça.  Não era à toa que quando eu não alisava o cabelo, todo mundo me chamava de Tina Turner ou de CABEÇÃO... (mas isso é outra historia que depois eu conto). Muito bem, eu me sentia naquele dia a tal, “D. Cida”, a “Aparecida”. Postei-me toda, toda! Empinei meu nariz, respirei fundo, e com um passo a frente do outro (que nem modelo faz) sai da casinha e me pus a caminho do prédio principal.  Da casinha até o prédio principal, tinha um pátio, com canteiros e bancos.  O pátio era revestido por lajotas de cimento, mas uma parte, que ficava a alguns metros da porta de entrada, não haviam lajotas, mas sim, um pequeno laguinho, com carpas lindas, que nadavam desconcentradas das vidas humanas que as cercavam, do trabalho e preocupações de todos os dias. Lá estavam elas, nadando, todas elas muito felizes, entre si, e com sigo mesmas.  Tudo teria ficado nesta paisagem linda, se não fosse a "madame" aqui, com sua saia azul marinho, apertada feito roupa de Gueixa e seus saltos maravilhosos que mereciam toda a concentração para não serem virados e causar com isso um tombo daqueles que a gente nunca esquece.  Pois é, mas a paisagem não ficou nisso.  A frente da porta do prédio principal, três homens extremamente alinhados, com seus ternos impecáveis, trocavam conversação, quando eu, com meu nariz empinado e meu olhar que nada perde, avistei-os. Claro que os três me olharam, afinal esse era o sentido de tal, eu me sacrificava para andar toda apertada e me equilibrando e eles tinham que me admirar e flertar comigo.  Ao avista-los empinei ainda mais o meu nariz para cima, carregando comigo a pasta com todos os formulários do fechamento mensal do meu setor, como uma estudante que carrega seus livros enquanto anda em direção à biblioteca.   De repente, não mais do que de repente, quando eu levemente, delicadamente, com uma representação magnifica, apertando os olhos como se estivessem sendo ofuscados por luzes de câmeras fotográficas, fazendo caras e bocas para atrair ainda mais o olhar dos dignos rapazes, eis que algo me falta debaixo de meus pés.
Imaginem vocês a cena em câmera lenta, pois é exatamente assim que eu vejo o que se passou.  O Chão some e meu pé direito sente algo gelado que envolve meu tornozelo. Meus braços jogam-se para frente e eu vejo minha pasta com todas as folhas de papel se abrir ao vento e os papeis a voarem como se tivessem ganhado asas.  Arregalo meus olhos, minha boca se contorce e eu sinto que vou encontrar o chão. Então vem a imagem dos rapazes que parecem endireitar o corpo, param de conversar e miram o cenário.  Meu olhar começa a descer, das cabeças dos meus admiradores, para seus peitos, de seus peitos para suas pernas até, que não vejo mais nada.
Splash! Foi o que eu ouvi. Como uma gelatina mole, como uma ameba, como coco de pomba, espatifei-me dentro do laguinho.  Minha camisa de seda ficou grudada no peito..., meu cabelo alisado estava todo molhado e meu joelho... baita dum buraco e o sangue começou a escorrer do mesmo.  A única coisa boa era que eu agora consegui mover minhas pernas livremente, pois a abertura da saia fora aumentada para quase quarenta centímetros.  Olhei para frente, rapidamente, agora não mais em câmera lenta. Os rapazes estavam estáticos, como se petrificados. Três pares de Olhos arregalados me miravam como quem não acreditam no que veem.  Minha cabeça doía, meu joelho latejava e eu só tinha uma coisa no pensamento:
“MEU DEUS QUE VERGONHA! _Ai que dor! _ MAS QUE VERGONHA! _ Ai que dor!”
- Ok! – pensei comigo mesma, pode ser que tudo isso aqui é um sonho e... Ai , que dor! QUE VERGONHA! Então tomei minha posição e fiquei em pé – Vamos lá Elaine – tentei me animar – Fica de pé e finge que não doeu nada!
Os três rapazes ficaram vermelhos e foram chegando perto.
- Nãoooooooooooooo! Pelo amor de Deus, fiquem onde estão! – pensei comigo mesma – Ai que dor, ai que vergonha!
- Nossa! – exclamou um deles – você se machucou, está tudo bem?
- Imagine Imbecil – pensei comigo mesma – Eu sempre nado aqui quando quero descarregar o estresse, e o sangue que está correndo na minha perna é normal, sempre acontece isso quando eu nado.  Mas na verdade respondi: - Oh! Ops! Que coisa né, sabe que eu nem vi o laguinho. Mas não aconteceu nada não, foi só um raspão, não está doendo não!
- Claro que está doendo – gritava uma voz dentro de mim e... meu Deus! Eu preciso sair desse local e voltar para minha sala, em alguns minutos meu cabelo vai começar a encarapinhar todinho e...  Ai, meu Deus!  A camisa grudou no meu corpo, com certeza eles já perceberam que a água gelada.  Os três insistiam em ficar me olhando, talvez estivessem chocados não com o meu tombo, mas com a minha transformação, de princesa para gata borralheira com os faróis apontando mostrando a temperatura da agua, com o cabelo enrolando mais rápido do que mandiopan em óleo quente, e com a minha saia mais cavada do que cova em cemitério.
Fui eu quem tomou a iniciativa de cortar a cena e pus-me a catar os papeis que se espalharam por todo o pátio. Eles três não se moveram para me ajudar! Catei os papeis e como se nada tivesse acontecido, tomei o caminho de volta para a casinha.  Ao entrar no corredor vazio que dava para a minha sala, senti as lagrimas correrem em meu rosto. A dor havia superado a vergonha e eu desatei a chorar. Minutos depois estava eu com uma juba do tamanho dum bonde, o joelho parecendo uma couve flor e minha roupa um trapo.  No departamento, meia hora depois todos eram testemunhas do que havia me acontecido. A dor havia passado, o povo se esculachou de dar risadas do meu relato e tudo voltou ao normal. Uma semana depois meu joelho adquiriu uma cor verde ao redor da crosta que cobria o ferimento. Até hoje tenho dor no joelho, mas se não fosse esse dia maravilhoso, talvez fosse minha vida um relato enfadonho o que na verdade, não combina nada comigo.
Grande beijo e outra história!

 Elaine


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